6 de janeiro de 2017. Um anúncio da Secretaria de Estado da Saúde (SES/MG) ligava o alerta para o retorno de uma doença que há tempos não rondava Minas Gerais de maneira tão intensa. Naquele dia vieram à tona cinco mortes por febre amarela que estavam sob investigação no estado. Desde então, a enfermidade se espalhou rapidamente. Nas temporadas seguintes (de 2016/2017 e 2017/2018), somente no território mineiro 340 pessoas morreram com o vírus e outras 662 foram infectadas, naquela que foi considerada a pior epidemia já registrada no país desde 1980, segundo o Ministério da Saúde. Depois dos dois períodos críticos, o fantasma da epidemia volta a rondar os mineiros. O vírus voltou a ser detectado em território mineiro, com a confirmação da morte de um primata no Sul do estado em decorrência da enfermidade. O mais preocupante é que se estima haver ainda 3,1 milhões de pessoas não vacinadas, embora as doses continuem à disposição, gratuitamente, nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS).
O número de não vacinados se elevou em relação ao último boletim epidemiológico divulgado em outubro, quando a estimativa era de 1.836.028 sem proteção. A Saúde estadual informou que houve mudança na metodologia para chegar ao número. “O cálculo anterior levava em consideração o dado agregado do estado, de forma generalizada (resultado dado pela fórmula “não vacinados” = “população total” menos “doses aplicadas” até 2018)”, informou a pasta. Dessa forma, o cálculo englobava também pessoas de outros estados, que eventualmente tivesse se vacinado em Minas. Porém, conforme recomendações do Ministério da Saúde para todo o país, concluiu-se que o resultado era muito simplificado e não demonstrava a situação real do risco.
As autoridades sanitárias mineiras passaram agora a considerar o somatório da estimativa de não vacinados em cada município. “A soma do resíduo de cada um, levando-se em consideração que a homogeneidade de coberturas no Estado está abaixo da meta recomendada de cobertura de 95%, gerou esse número aproximado de 3,1 milhões de não vacinados”, complementou a secretaria. Com a nova orientação, chegou-se ao total de 3.115.983 desprotegidos.
Com a circulação do vírus e tanta gente sem proteção, a atenção deve ser redobrada nos próximos meses, especialmente diante do terceiro fator de risco: o calor, aliado à chuva, faz com que a proliferação dos mosquitos transmissores da forma silvestre (Haemagogus e Sabethes) seja mais rápida. Além disso, tradicionalmente, os casos de febre amarela silvestre aumentam entre dezembro e março. Na temporada 2018/2019, não há casos confirmados da doença. Mas comprovou-se que a morte de um primata em Varginha, no Sul de Minas, foi provocada pela virose, indicando o retorno da circulação do vírus. Ainda estão sendo apuradas mortes de macacos em 104 municípios. Em outras 32 cidades onde se descobriram primatas mortos as causas foram indeterminadas, pois não houve coleta de amostras. Vale lembrar que as mortes de animais antecedem a de humanos e serve como sentinela para alertar sobre a circulação do agente causador.
Com a constatação de que a cobertura vacinal ainda está bem abaixo da meta de 95%, as atenções se voltam para as parcelas da população mais vulneráveis. A faixa etária que menos se protegeu foi entre 15 e 59 anos, que, de acordo com a pasta, foi exatamente a mais acometida pela epidemia na temporada 2017/2018. Entre os 853 municípios do estado, 19,81% (169) não alcançaram 80% de cobertura vacinal; outros 27,19%, ou 323 municípios, têm entre 80% e 94,99% da população vacinada. Com mais de 95% estão apenas 42,32% das cidades mineiras (361).
Para o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estêvão Urbano, ainda há riscos de a doença voltar a se espalhar pelo estado. “É preciso ser avaliado quais pessoas não se vacinaram por contraindicação e quais não se protegeram por falta de informação. Essas pessoas continuam correndo um grande risco, pois o vírus continua circulando nas nossas matas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, afirmou, lembrando ser esta a fase em que a incidência da doença é ainda maior, devido à proliferação dos mosquitos.
Epidemias Duas epidemias de febre amarela atingiram Minas Gerais consecutivamente entre 2016 e 2018, provocando centenas de mortes e deixando milhares de pessoas infectadas. Somente no estado 340 pessoas perderam a vida em decorrência da enfermidade. Outras 662 foram infectados, mas conseguiram se curar.
Na temporada 2016/2017 foram confirmados 475 casos do tipo silvestre da doença em Minas Gerais. Do total, 162 pacientes não resistiram, com letalidade calculada em 34,1%. A temporada já era considerada a pior desde 1980. Mas, mesmo com os esforços dos órgãos de saúde, a situação foi ainda pior no período seguinte. Entre julho de 2017 e junho de 2018 foram 527 casos confirmados. Com 178 óbitos, o número de mortos foi maior, mas a taxa de letalidade diminuiu em relação ao período anterior, passando para 33,5%.
Um dos apontamentos feitos pela Saúde estadual para o aumento de casos em 2017/2018 foi a área onde o vírus circulou. “Quando comparamos os dois períodos de transmissão, observamos um aumento no número de municípios com casos confirmados no período de monitoramento 2017/2018. Em que pese esses municípios terem população residente maior que o conjunto de municípios da área de risco do período 2016/2017, a incidência foi menor, mostrando maior efetividade nas ações de controle”, informa a pasta. Segundo a secretaria, nenhum município com registro de casos confirmados no período sazonal entre 2016/2017 voltou a ter registros no período seguinte.
O infectologista Estêvão Urbano, avalia que podem ter ocorrido falhas entre as duas temporadas. “Apesar de todos os esforços, alguma forma no processo teve falha em relação à adesão das pessoas à vacina. Mas é difícil mensurar agora em que nível está esta falha, se foi estratégia de divulgação errada, se foi mesmo o medo das pessoas de se vacinarem, a ignorância sobre a importância da vacinas ou uma soma disso tudo”, afirmou.