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Surtos são sinais de que a febre amarela voltou para ficar, diz OMS

Angola e Brasil são exemplos para a Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o risco da febre amarela mudou e que existe hoje uma maior ameaça de surtos. O alerta é de Laurence Cibrelus, ponto focal na OMS para implementar uma estratégia ambiciosa de acabar com a epidemia de febre amarela no mundo até 2026.

“É uma ameaça série e precisa ser levada a sério. Esses casos são sinais de que o risco nesses países mudou e que a população não está suficientemente protegida”, disse.

Em sua avaliação, o risco da doença mudou diante do impacto das mudanças climáticas, dos deslocamentos populacionais e desmatamento. Para a OMS, além de imunizar a população em áreas de risco, o foco é evitar a exportação de casos para além das fronteiras conhecidas da doença. Caso contrário, a febre amarela poderia ser uma ameaça para a saúde global.

“A doença não pode ser erradicada. Mas o que podemos fazer é eliminar a epidemia, com ampla imunização sustentada ao longo dos anos. Podemos, assim, garantir que o vírus pare de circular em humanos”, garantiu.

Em sua avaliação, o que fará a diferença é “um compromisso político forte”. “Precisamos que governos entendam as ameaças da febre amarela e o impacto que poderia ter. Ela está aqui para ficar”, disse.

Para vacinar todas as pessoas que precisam de proteção, a OMS estima que precisa de pelo menos US$ 2,3 bilhões (R$ 7,3 bilhões) ao longo de dez anos para comprar as vacinas para todos que serão protegidos, além de gastos operacionais. O valor, porém, é inferior ao que o Brasil gastou para erguer os estádios da Copa do Mundo, de 2014. Naquele ano, o orçamento para as arenas ficou em cerca de R$ 8,3 bilhões.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Qual é o cenário atual da febre amarela no mundo?

Em 2016, tivemos um surto urbano em Angola, que se espalhou para a República Democrática do Congo e com casos exportados para a China. Existiu um grande risco de epidemias urbanas, a partir da exportação de casos. Isso nos ajudou a entender que havia um aumento do risco de surtos e transmissão internacional. Hoje, a febre amarela é endêmica na África e nas Américas. Mas a maior preocupação que temos é de que a febre amarela se espalhe de zonas endêmicas para novos locais, como China ou India, onde existe dengue, que é uma doença transmitida pelo mesmo mosquito que transmite a febre amarela urbana, e também onde a população não está imunizada contra a febre amarela. A questão, portanto, era a de controlar a febre amarela e garantir que ela ficasse dentro de suas fronteiras atuais e que não se proliferasse. Isso mudaria o jogo, até mesmo para se tornar uma ameaça para a saúde global porque teríamos problemas em conseguir vacinas para essas pessoas a tempo.

Qual foi então a estratégia da OMS para conter a doença em suas fronteiras?

Tivemos esforços no passado para eliminar as epidemias, principalmente na África. Isso teve um impacto dramático, com campanhas nacionais. Graças a isso, ganharam imunidade para prevenir epidemias por 20 ou 30 anos. Desde então, não houve mais surtos no oeste da África, pois apenas uma dose da vacina é suficiente para proteger por toda a vida. Mas a questão foi manter os ganhos, implementando e sustentando a imunização de rotina de crianças. Apesar dos esforços, o vírus da febre amarela continuou circulando em outras áreas do continente. Isso é o que levou à epidemia em Angola e República Democrática do Congo e o que nos levou a entender que teríamos de repensar a estratégia.

De que forma?

O risco aumentou tanto que não poderíamos nos basear no que havia ocorrido no passado. Os riscos mudaram, os fatores ecológicos mudaram. Hoje, a questão, além de garantir proteção para populações em risco, é de evitar a exportação de casos para além das fronteiras conhecidas da doença. Cada vez que há um surto, a questão é a de controlá-lo o mais rapidamente possível. A febre amarela está aqui para ficar. A doença não pode ser erradicada. Mas o que podemos fazer é eliminar a epidemia, com ampla imunização sustentada ao longo dos anos. Podemos, assim, garantir que o vírus pare de circular em humanos. Isso é que queremos atingir até 2026.

Até que ponto as mudanças climáticas redesenharam as fronteiras da febre amarela?

De fato, está mudando. O mosquito é o ponto principal, e onde podemos encontrá-lo varia conforme vemos mudanças climáticas, mas também com uma transformação no uso do solo. Houve um aumento das chuvas e, portanto, houve um impacto na densidade de população dos vetores e onde estão. Com isso houve um impacto direto na transmissão da febre amarela. Houve também mudanças importantes no desmatamento. É na floresta que está o ponto inicial da doença.

Quais são as inovações em sua estratégia que não existia antes?

Proteger pessoas em algumas profissões específicas, como trabalhadores em extração mineral e pessoas no setor do petróleo. Identificamos que o risco de a febre amarela se espalhar para outras áreas não vem apenas de turistas. Mas também de trabalhadores, especialmente em áreas de desmatamento. Outra inovação é criar centros urbanos mais resistentes, pois quando acontece em cidades, a febre amarela pode ter consequências devastadoras. Além de ter impacto profundo para a economia, para o comércio, pode destruir sistemas de saúde. Portanto, precisamos ter centros resistentes para detectar rapidamente os casos em centros urbanos. Em dezembro, um grupo de trabalho que lida com questões laboratoriais foi lançado. Esse grupo vai ajudar a desenvolver novos métodos de diagnósticos, como testes rápidos em pontos de atendimento. Além disso, mantemos um estoque de 6 milhões de doses de vacinas para emergências que podem chegar a um país rapidamente.

E como aplicar a estratégia?

A questão é ter atividades continuas de imunização. Precisamos ter mais de 80% da população de uma área de risco vacinada. Mas não adianta realizar campanha uma só vez. Manter a imunização significa vacinar as crianças a partir de 9 meses de forma rotineira. Em alguns países, principalmente na África, a recomendação é de que toda a população seja vacinada. A estratégia tem um ano. Mas podemos eliminar as epidemias. Isso pode ser feito em dez anos. Quarenta países com maior risco de epidemias de febre amarela serão os focos de nosso trabalho, temos 50 parceiros pelo mundo.

Fonte: Jamil Chade, Estadão.